7 de abril de 2013

Joelhos dobrados e pescoços flexionados: eis a Igreja

Ricardo Régener, o enviado especial do Gospel no Divã ao 14º Congresso Internacional de Louvor e Adoração Diante do Trono, mostra aquilo que os outros sites não deram sobre evento:

Fotos: Yuri Cezar
Ele aparenta ter por volta de um metro e setenta e cinco de altura, ostenta um Chilli Beans aro grosso, calça vermelha, um echarpe e uma, duas, três, suponho que cinco ou seis pulseiras douradas e prateadas nos braços, maquiagem básica e sorriso guarnecem o rosto. Ele caminha da frente do palco até o banheiro masculino lateral do enorme Centro de Exposições Expominas. Quando ele passa de lá pra cá, os pescoços vão e voltam junto com ele, casais se entreolham, grupos de amigos dão risadinhas. Um irmão de sotaque carioca arrisca um comentário ao companheiro: “O pessoal da intercessão deve estar tendo trabalho”, comenta em tom espiritual. “Já vi esse moço no ano passado, não entendo como uma pessoa pode vir a um lugar desses e continuar vivendo no pecado depois”, completa o irmão do lado.

É quinta-feira da Semana Santa (28/03) e estamos no 14º Congresso Internacional de Louvor e Adoração Diante do Trono. Mais de 10 mil cadeiras formam um tapete branco dentro do Pavilhão de Exposições que recebe o evento desde 2012. Os congressistas chegam cedo. O som, a luz e os LEDs são da qualidade já consagrada pelo famoso ministério da pastora Ana Paula Valadão Bessa. O release distribuído aos veículos de imprensa representados dá conta que o Diante do Trono já vendeu mais de 10 milhões de cópias em 15 anos, e que a presente edição da já tradicional Conferência será marcada pela presença da profetisa norte-americana Cindy Jacobs, do pastor ugandense John Mulinde e pela gravação do CD Renovo, uma coletânea rearranjada de sucessos antigos do Diante do Trono.

Mas o Congresso é bem mais que o grupo musical, os números do release, as músicas ou as pregações.Pelos corredores e saguões do Expominas passa gente dos 27 estados brasileiros, há casais carregando bebês de colo, há senhoras de coque e saia longa e meninas de roupas mais modernas, há caravanas enormes uniformizadas e com grito de guerra, há cegos, há surdos, há deficientes físicos se esforçando para entrar no auditório, há iniciantes no showbizz gospel vendendo seus CDs recém-lançados a preços promocionais, há gente que dança na Igreja em trajes apropriados para tal e muitos, há muitos adolescentes que lotam o stand para comprar a camiseta oficial do evento e as novidades da grife SantoLoco que fazem sucesso entre a garotada. Há até artistas cristãos em trajes coloridos fazendo esquetes e flashmobs sobre algum tema da Bíblia.

Nas filas (enormes) da praça de alimentação, muitos sorrisos, reencontros, abraços apertados, pausas para fotos com conhecidos de longe. “Que benção”, “Glória a Deus” e “Ô abençoado” são burburinhos recorrentes no meio da multidão. Já na fila enorme para acessar o local do evento há quem chegue mais cedo para guardar lugar para os dez amigos que ainda estão comendo, há quem puxe o grito de “não fura fila, não fura fila”. Há também uma senhora negra, colete da organização, aparência de um metro e cinquenta e cinco, que sorri pra todos e procura ajeitar a fila como pode: “Ô amado, vamos andar com a fila, não vamos dar brecha!”.

Ali no stand, promovendo camisas da SantoLoco, a vocalista Marine Almeida e o guitarrista Daniel Friesen são disputados por uma pequena multidão de congressistas. Um grupo de três amigas de sotaque nordestino se abraçam como que comemorando gol após conseguir uma foto com os vocalistas, conferem a imagem na telinha da câmera, transpirando adrenalina.

Dentro do auditório, na espera pelo início do culto, há mais que pescoços que giram: há gente aproveitando pra tirar foto junto ao palco, há também joelhos dobrados, mãos levantadas, canções que já começam a ser entoadas aos poucos aqui e ali, coisa bonita de ver. O culto começa pontualmente às sete da noite e, em poucos minutos, o ambiente se transforma: as mãos se levantam, os cânticos espontâneos brotam nos lábios e as primeiras lágrimas começam a cair. No decorrer do culto, pessoas colocam a mão sobre enfermidades e creem que elas saem, irmãos rodopiam pelo centro de exposição, abordam desconhecidos e entregam mensagens cheias de ânimo e esperança a desconhecidos que estão no culto. Jovens de 14, 15 anos pingam de suor, devotam-se, entregam-se com vontade e sem se preocupar com repórteres nas proximidades. Um deles, à minha esquerda, retinto e suado, obedece ao comando da Pra. Ana Paula me abraça forte, abraço de irmão, daqueles de encostar barriga. “Deussshhh te Abençoe”, me diz sorrindo, carioca da gema. A senhora rechonchuda à minha direita, braços acolchoados, não hesita em me abraçar também. Sotaque baiano, abraço de mãe, meu coração se derrete e, pela primeira vez desde o embarque em São Paulo, eu me sinto em casa.


Na manhã seguinte, o rapaz de Chilli Beans passa de novo e os pescoços novamente flexionam-se, os lábios de alguns proferem sentenças cheias de certeza. Há duas amigas de coque sentadas na primeira fileira disponível, uma delas com blusa preta de bolinhas brancas. Contra as regras expressas do evento, marcam lugar para uma amiga que só vai chegar perto da hora do culto. Uma moça de sotaque pernambucano não faz cerimônia e desmarca o lugar alegando que as amigas de coque estão descumprindo as regras e fazendo algo injusto. As do coque não se fazem de rogadas. Fingem ignorar a pernambucana, mas conversam entre si em altura suficiente para provocá-la: “Tem gente que não sabe guardar a língua”, diz uma delas. “Ainda bem que a gente está no Congresso e não vamos perder a benção por causa desse povinho enviado pelo diabo pra atormentar”, completa a outra. Sorriem as três, o culto vai começar.

O roteiro repete-se por todas as outras cinco celebrações remanescentes. No sábado à noite, final do culto, serve-se a Ceia. O sangue e o corpo de Cristo derramados por vocês. As pessoas trocam os cálices entre si, se abraçam e choram o sacrifício que os fez chegar até ali, cantam “Foi o sangue de Jesus que me comprou, foi o sangue que por mim derramou, se sacrificou e me salvou, foi o sangue que me fez um vencedor”. Encontro por acaso o moço do Chilli Beans no meio da multidão. A não ser por mim mesmo, não há pescoços flexionados pra ele nesse momento. Ele encontrou um amigo para abraçar, trocar o cálice. Tão julgado por alguns, parece que encontrou seu lugar à mesa na comunhão do pão e do vinho. É a Igreja de Jesus presente. Talvez ainda não tão imaculada, tão pura ou tão adornada quanto se deseja ou espera. Mas é a Igreja que, um dia, vai compartilhar as bodas do Cordeiro em uma grande Conferência celestial.


Ricardo Régener é Jornalista formado pela ECA/USP, estuda Direito na mesma universidade e vai há dez anos ao Congresso Internacional de Louvor e Adoração Diante do Trono

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