2 de julho de 2012

"Não sou nenhum profeta, apenas um profissional de mercado"

De gênero a um microcosmo sonoro, a música gospel brasileira nunca esteve em um momento com tanta evidência como nos últimos anos. Tornou-se uma indústria de entretenimento cultural, sobretudo o segundo segmento fonográfico que mais vende discos no país. Já conquistou até um festival na maior emissora de TV secular e vem ganhando respeito dos não adépitos, que passam a ser simpatizantes. Chamamos, então, Maurício Soares, que dispensa apresentações, para falar um pouco mais sobre as características dessa vertente, positivas ou não. No texto abaixo, uma entrevista  que desbrava as potencialidades da música gospel, o que já alcançou e o que tende a alcançar de cordo com o posicionamento do mercado, dos artistas, das gravadoras, e até das igrejas em geral. Que gospel é esse que você escuta? Maurício, que é diretor executivo do selo gospel da Sony Music no Brasil, doou um pouco de seu tempo e respondeu ao Gospel no Divã:

1. A quantidade de evangélicos no Brasil vem acrescendo nos últimos anos e a indústria fonográfica gospel também em produção de material. Acredita que o nosso público-alvo consegue acompanhar esse crescimento comprando tantos produtos?
Não há um aumento de oferta de produtos fonográficos em nosso mercado. Na verdade, há um acentuado declínio nestes últimos cinco anos. Por volta dos anos 2000, tivemos um boom no mercado fonográfico com muitos ministérios de louvor surgindo em todos os cantos do país. Também tivemos um crescimento acentuado de gravadoras e de pequenos selos. Com a expansão do mercado digital e a mudança no consumo, boa parte destas gravadoras sumiu do mercado ou atualmente sobrevive de forma bem mais tímida do que antes. Mas de qualquer forma, se a demanda está em crescimento, então o mercado fonográfico poderá continuar crescendo. O problema atual não é de demanda mas de adequação ao novo formato, neste caso, ao mercado digital. Infelizmente a esmagadora maioria das empresas do segmento ainda não estão preparadas para esse novo tempo.

Marcha para Jesus de São Paulo | Foto: Reprodução de internet

2. Como se sabe e se repete muito neste meio, nossos grandes sucessos são pautados por clichês e chavões. No entanto, ao invés de apontar o dedo aos artistas e gravadoras, não seria uma adequação de conteúdo a um público que só gosta de consumir fórmulas requentadas?
Como uma pessoa pode dizer que gosta de churrasco se só comeu salada a vida toda? Se não apresentarmos um novo tipo de música gospel, o público ficará limitado ao mesmo estilo por anos e anos. Felizmente vejo um novo time de jovens artistas com uma proposta diferente para o nosso segmento. Falo de nomes como Marcela Taís, Leonardo Gonçalves, Bruno Branco, Hélvio Sodré, Daniela Araújo. Lembro-me que quando comecei a apresentar o trabalho do Thalles no mercado, muita gente torceu o nariz e disse que a música era boa, mas não era comercial. Hoje ele é o artista gospel mais destacado do meio e quem mais tem lotado shows em todo o Brasil. Acho que neste caso, as gravadoras, mas principalmente as rádios, têm um papel importante para reverter esse "gosto popular".

3. Existem por aí vários pastores, bispos e ministros que gravam e lançam CDs mas não possuem tanto talento assim pra música. Geralmente, essas personalidades se vendem também por sua "espiritualidade" ou coisas do tipo. Na música secular também há os cantores que não cantam tanto assim. Qual sua opinião sobre isso?
Não é uma questão de espiritualidade, mas de popularidade. Geralmente esses líderes gravam CDs para atender ao seu próprio público. O consumidor, nestes casos, não está preocupado se o ritmo é bom, se o cantor é bom, se a capa é boa… Ele compra porque se identifica com a liderança e só, nada além disso! Em sua esmagadora maioria, esses líderes-cantores são sofríveis e jamais seriam gravados numa outra situação, mas para as gravadoras, não deixam de ser uma boa oportunidade de lucratividade.

Daniela Araújo | Foto: Facebook
4. Artistas como Daniela Araújo e Leonardo Gonçalves produzem um certo tipo de música marcado pela excelência das produções em vários aspectos. Só que não há tanto apelo popular, como se sabe. Por que compensa para uma gravadora investir em produtos como o deles? Aos artistas, é possível sobreviver de música quando sua música não vende milhares de discos? Ou então, essa pergunta é equivocada e esse segmento mais "cult" da música gospel vende bastante?
É óbvio que um projeto do Leonardo Gonçalves não atinge resultados como Cassiane ou Damares, mas percebo que ele tem um público segmentado e fiel. Toda gravadora deve ampliar o leque de opções artísticas. Um projeto como da Daniela Araújo traz prestígio e, se bem trabalhado, resultados financeiros positivos. O importante é você entender que não dá para repetir a mesma fórmula de divulgação de um produto pentecostal. São planos de marketing bem distintos. Esses artistas estão muito identificados com um público mais antenado às tecnologias, portanto estamos falando de um consumidor digital que é o futuro do mercado fonográfico. Desse modo, temos nestes artistas, uma excelente perspectiva de futuro.

5. Recentemente você publicou em seu blog sobre música eletrônica e discutiu a pissibilidade do gospel seguir essa tendência. Se isso se emplacar, dentro do contexto evangélico, onde essas canções seriam tocadas? Apenas nas rádios ou será que de alguma maneira as igrejas se aproveitariam disso?
Acho que temos um novo mercado gospel pela frente. E entre essas novidades, a relação entre o consumidor e a música gospel tende a mudar no futuro. Com a popularização do mercado digital, o consumo passa ser diferenciado. E nestas mudanças, a música gospel de entretenimento passará a ter um papel bastante consistente. É neste novo modelo de relação do consumidor com a música que aposto com relação à música eletrônica.  Acho ainda que em breve teremos espaço nas FMs para esse tipo de música. Mas como não sou nenhum profeta, apenas um profissional de mercado, vamos aguardar os próximos dois a três anos para ver o que vai acontecer.

6. A crítica [não sei se especializada] sempre coloca o nível das produções internacionais acima das nossas. Na sua opinião, você acha que o Brasil consegue produzir música de qualidade tanto quanto em outros países?
Há uma questão técnica que nos difere, principalmente da Europa e EUA. Isso é inegável. É mais ou menos como você gravar um CD de samba composto por japoneses, com técnicos coreanos. Os caras são os TOPs da tecnologia, mas há uma questão cultural que eles não vão conseguir atingir. Da mesma forma, os gringos têm uma visão diferenciada dos processos de mixagem, arranjos e masterização que ainda não temos por aqui. Além disso, eles têm acesso aos equipamentos mais modernos do mercado. Creio que esse abismo entre as produções brasileiras e estrangeiras já diminuiu absurdamente, mas que ela ainda existe, disso não tenho a menor dúvida.

Capa do CD Nos braços do Pai em inglês
7. Sabe-se como é difícil para um artista brasileiro emplacar uma carreira internacional. Isso devido a recursos, a questão do nosso idioma e outros fatores. Se algum artista do gospel brasileiro já consagrado por aqui te pedisse um conselho, se deveria investir em uma carreira no exterior, o que você falaria pra ele?
Perguntaria apenas se ele estaria disposto a começar tudo de novo a partir do zero. Começar uma carreira internacional não é gravar um CD em portunhol (e como isso foi feito por aqui!). É muito mais complexo! Hoje temos um brasileiro fazendo sucesso no mercado gospel latino. Trata-se de Marcos Brunet. Só que ele mora há anos em Córdoba, Argentina, ou seja, não tem uma carreira no Brasil e no exterior. Ele optou por fazer uma carreira exclusivamente na América Latina. 
 
8. Maurício, por que os nossos vídeoclipes são tão atrasados em seus roteiros, interpretações e em sua criatividade? E porque todos insistem em fazer dessa forma?
Primeiramente, as gravadoras gospel investem em clipes para serem veiculados onde? Não temos TVs abertas seculares exibindo nossos clipes e isso acaba limitando demais nossa divulgação. Hoje temos a RIT, Rede Gospel, Rede Super, TV Fonte, TV Gênesis e Rede Boas Novas. Nenhuma destas TVs é em canal aberto e nenhuma cobre o território nacional como um todo. Com isso, as gravadoras não optam em investir grandes recursos para produzir clipes. Nenhuma gravadora faz isso no meio gospel. No máximo, uma gravadora hoje elege um artista e investe em uma única produção de clipe.  Mas mesmo nesse deserto de recursos financeiros, ainda temos um ou outro clipe de qualidade. Também temos que reconhecer a escassez de profissionais de qualidade em nosso meio. Nós na Sony Music, temos trabalhado bastante com o Bruno Fioravanti e Hugo Pessoa. Estes são dois profissionais que estão se destacando no meio fonográfico. Precisamos de mais produtores de alto nível.

9. Falando sobre o Festival Promessas, quais os principais pontos positivos que essa iniciativa poderá trazer à nossa música? E, existem pontos negativos?
Apóio integralmente toda iniciativa em prol da divulgação da música gospel em nosso país. Acho que o fato da Rede Globo estar à frente desse projeto acaba trazendo maior visibilidade à nossa causa. Particularmente não gosto de prêmios onde o público decide os vencedores porque sempre podemos ter distorções difíceis de serem aceitas, mas isso é uma estratégia da organização do Troféu e como membro do comitê gestor acatei plenamente a decisão da direção.

Festival Promessas | Foto: Divulgação

10. Como surgiu a ideia de promover esse evento da Sony envolvendo mídias e logistas? Como está sendo a experiência? Como tem sido o feedback do público, dos logistas e dos mídias que participam?
Os resultados têm sido maravilhosos! Tanto por parte dos artistas, como das mídias e principalmente dos lojistas. Temos recebido um excelente feedback de todos os participantes e fica muito claro que estamos no caminho certo. Entendemos que estas pessoas nos ajudam a fazer todo o trabalho no mercado e precisamos estar bem próximas delas. Teremos mais umas três a quatro reuniões ainda em 2012.

11. É possível adiantar quais as novidades que a Sony prepara para a ExpoCristã neste ano?
Teremos um stand bem mais enxuto. Na verdade, teremos em nosso espaço uma área exclusiva para atendimento às mídias e lojistas somente. Não teremos área de varejo vendendo nossos lançamentos. Isso ficará restrito no stand da Art Cristã que será contíguo ao nosso stand. Neste ano teremos muitos lançamentos e a presença de nossos artistas. Talvez tenhamos inclusive a presença do Leeland, banda norteamericana, no nosso stand. Estamos prevendo os lançamentos de Renascer Praise, Shirley Carvalhaes, Além do Véu, Robinson Monteiro e Brenda, entre outros.

12. Pra terminar, quais são os artistas do gospel nacional e internacional que mais gosta de ouvir? Qual seu estilo preferido dentro do gospel?
Assim você me complica, mas curto o som do Marcus Salles, Thalles, André Valadão, Resgate, Leonardo Gonçalves, Renascer Praise, Daniela Araújo… Tem épocas que ouço também muita música pentecostal, tudo depende da minha época de lançamentos. Da galera internacional gosto muito do Michael W Smith, Fireflight, Casting Crowns e Chris Tomlin.

Maurício Soares, o nosso entrevistado, no evento para mídias e logístas no Rio de Janeiro | Foto: Imagem Carioca

2 comentários:

  1. A melhor entrevista do MAuricio Soares... Parabens pela iniciativa Rogerio! O Brasil precisa de amantes de boa informação como voce!

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  2. Muito boa a entrevista, parabéns galera do GND!!

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