6 de novembro de 2014

“Se eu estivesse interessado em mídia e grana, tinha ficado no secular”

Marcos Nunes é uma daquelas pessoas cuja história de vida daria um livro ou – quem sabe? – até mesmo um filme. A trajetória desse baiano se assemelha a de muitos outros nordestinos, povo com garra e determinação bem diferente do que alguns preconceituosos andaram dizendo nas últimas semanas nas redes sociais. Nascido no interior da terra de Jorge Amado, Marcos e sua família se mudaram para Goiânia aos 15 anos de idade devido à seca do sertão. Após quatro anos em Goiânia, no alto dos seus 19 anos, Marcos decidiu vir para o Rio de Janeiro atrás do sonho de viver da música.

Foi aqui que ele conheceu o Pr. Silvério Peres que, na época, fazia parte da Igreja Sara Nossa Terra e viveu grandes experiências no Ministério Koinonya. Disposto a ver seu sonho realizado, Marcos Nunes chegou a tocar em algumas bandas seculares, mas cada vez mais convicto do chamado de Deus para sua vida, o cantor decidiu sair do lugar comum e se arriscar numa carreira solo lançando o primeiro álbum em 2004 após nove meses de gestação.

Após três CDs lançados e um DVD de forma independente, Marcos assinou com a Som Livre neste ano e passa a ser mais um representante do estilo sertanejo ao lado de nomes como Jonas Vilar e Jonas Maciel. Fazendo sucesso com o novo hit Não posso parar, que teve clipe gravado na Lagoinha de Niterói, com direção de Vlad Aguiar, o cantor fez um balanço desses dez anos de carreira, deu opinião sobre a atual música gospel lotada de versões de canções internacionais e revelou alguns sonhos para seu ministério nessa entrevista que você confere agora e que foi realizada em parceria com o comunicador JC Lima, do blog JC Freelancer.

GOSPEL NO DIVÃ: Como foi o início da sua vida cristã?
Nasci em berço evangélico. Sou filho de pastor e faço parte de uma igreja em que meu irmão é dirigente. Sou de uma igreja chamada Comunidade Mesa de Comunhão, é um ambiente bem legal. Nasci na Assembleia de Deus numa cidade do interior da Bahia chamada Irecê e foi lá onde tive meus primeiros contatos com Deus e acho legal esse evangelho pentecostal.

GND: E como foi essa mudança da Bahia para o Rio?
Na verdade, eu morei na Bahia até os 15 anos de idade e saí com meus pais flagelados da seca. A gente morava no Sertão e meu pai era agricultor e saímos de lá num pau-de-arara bem sertanejo atrás de uma vida melhor em Goiânia, em 1997. Morei quatro anos em Goiânia e com 19 anos vim para o Rio de Janeiro em busca desse sonho [viver da música] onde tive toda essa odisseia que me fez crescer demais. Aqui fiquei quatro anos depois mudei para a Bahia e voltei de novo para Goiânia, mas se der certo eu volto pro Rio.

Fotos: Marcelo Michell
JC FREELANCER: O que te levou à carreira solo?
Como eu nasci já num lar cristão, sempre tive na minha cabeça que seria um cara que faria música gospel e, depois que eu tomei consciência, vi que isso seria uma missão. Então, tive, principalmente aqui no Rio, alguns contatos de tocar com outras pessoas em alguns projetos seculares. Tive muitas chances e oportunidades de seguir carreira com isso, mas a convicção do chamado era muito mais forte a ponto de largar tudo em 2004 quando lancei meu primeiro disco – Por me amar. Estava morando aqui no Rio e não teve outro interesse a não ser uma coisa entre eu e Deus que vai além de grana, de uma carreira, de uma notoriedade midiática. Pelo contrário, se eu estivesse interessado em mídia e grana, eu tinha ficado no secular.

GND: Como foi entrar em estúdio gravando seu primeiro álbum e ter o CD em suas mãos e ver as pessoas cantando as suas músicas?
Engraçado que, nesse período, foi quando saí dos projetos seculares que era o que me sustentava apesar de eu estar na igreja juntamente com o pessoal da Sara Nossa Terra do Pr. Silvério. Eu tinha esse projeto paralelo que era no secular e quando abandonei fui muito desassistido. Cara, eu passei dificuldades extremas e, quando eu compus as músicas desse disco, estava passando por muitas dificuldades, principalmente financeiras. O processo de composição foi muito sofrido. Eu conheci um empresário de São Paulo em uma célula que eu estava cantando na casa de uma pessoa em Ipanema e ele achou interessantíssimo e falou que ia apostar no meu trabalho e financiou meu primeiro disco que foi produzido pelo maestro Victor Chicri [produtor que já trabalhou com Cassia Eller, Ivete Sangalo, Bené Gomes e Ronaldo Bezerra] e morei dentro da casa dele cuidando do estúdio dele que era na Barra da Tijuca e foi nesse procedimento que saiu. Eu passei nove meses morando num quartinho que só cabia um colchão e o detalhe era que não tinha colchão. Eu fiquei nove meses dormindo no chão e eu não entendia isso e foi nesse ambiente de sofrimento onde as músicas saíram, mas foi um ambiente especial onde aprendi muito com Deus e eu dormia naquele quartinho sem saber porque estava ali e depois que fui entender. Foram nove meses na gestação e meu retorno para Deus, para a Casa do Pai. Depois que esse disco chegou, minha vida começou a mudar.

GND: E por falar nisso, como é esse seu processo de composição?
Cara, é interessante porque eu gosto muito de compor aquilo que eu vivo, que é verdade pra mim. Inclusive eu já trabalhei com outro compositor, mas hoje eu não faço mais isso. O meu processo de composição é espontâneo pra caramba. Eu já fui pra fazenda fazer música, pra praia, lugar tranquilo não saía nada. Eu tenho mais facilidade em ambientes caóticos, bagunça, muito trânsito, meu quarto todo bagunçado. Agora se eu tiver quietinho, tudo calminho, não sai nada.

GND: “Valeu a pena” foi seu segundo trabalho lançado em 2007. Como você definiria no Márcio do “Por me amar” e o Márcio do “Valeu a pena”?
É muito diferente. Parece que são duas pessoas. O primeiro disco é um disco mais romântico, sonhador. Eu morava no Rio e fazia muita música na noite carioca e tinha o sonho de levar o samba-rock pro meio evangélico que era uma coisa que não tinha e até hoje não tem. Era fã dos caras que faziam e lancei umas quatro músicas nessa linha e eu tinha mais certeza de que ia estourar pela onda do início. Foi um disco menos comercial, mais apaixonado, mas era muito distante da realidade. O segundo disco foi muito mais povão e foi através dele que comecei a entrar no sertanejo. O primeiro foi de música brasileira, samba-rock, as baladas mais americanizadas, alguns elementos eletrônicos. Já o segundo foi um disco acústico tentando fazer um negócio bem mais simples e foram as músicas que aconteceram como Valeu a pena, Não acabou, os xotezinhos que me ajudaram a entrar nas rádios. O primeiro foi mais romantismo, sonho, utopia, mas tenho um carinho pelo primeiro disco.

GND: Como você chegou até a Som Livre?
Eu lancei o CD Na moral independente e a gente fez sozinho, na raça, na cara e na coragem. E esse disco começou a rodar e a chegar a vários lugares até chegar nas pessoas aqui da Som Livre que acharam interessante o produto e a Claudia (Fonte, diretora do selo gospel da gravadora) me ligou e me chamou para um papo para ver o que a gente poderia agregar. Vim, conversei com a Claudia e ela foi muito sincera comigo e senti firmeza nessa conversa. Sempre tive muito pé atrás com gravadora tanto que dez anos independente não por falta de opção e nunca me interessei, mas aqui foi diferente e chegamos a um denominador comum e estou muito satisfeito aqui com o trabalho.

GND: E como é estar numa gravadora que tem grandes nomes do sertanejo tanto no gospel como no secular?
Uma coisa que achei que foi de Deus foi exatamente isso porque, como a Som Livre tem um cast secular forte no sertanejo, eu senti que foi de Deus porque a minha música tem o tema gospel, mas não faço música para evangélico, faço para as pessoas que têm uma alma, um coração. Eu tento evitar o evangeliquês não porque não gosto, mas é estratégia, é evangelístico. A gente tem toda a chance de estar aqui na Som Livre e estar em grandes eventos que a gravadora faz com o secular. Não é em vão estar aqui na Som Livre. Eu creio que Deus vai abrir portas e traçar estratégias.

JC: Geralmente os cantores colocam os títulos nos CDs com temas evangélicos, mas, por que você colocou o nome do CD de NA MORAL que é quase uma gíria?
Eu sou baiano e a gente usa muito essa gíria na Bahia, mas é por causa da música que é uma crítica bem construtiva e aí eu achei muito legal o nome que inclusive está se transformando até numa marca e porque foge desse conceito gospel direcionado aos evangélicos. O trabalho que eu faço é justamente desvinculado dessa função de ser só pra crente. Eu acho que para ser sal tem que ser sal fora do saleiro.

JC: Houve algum questionamento?
As pessoas acham diferente, mas nunca houve preconceito.

JC: Mas você se inspirou em alguém ou em algum fato para compor o louvor?
Na verdade, é uma reunião de muitos fatos. Eu presenciei muita gente nesse padrão e a gente sabe que tem uma legião de pessoas que tem esse porte de ter uma aparência, mas a essência não tem nada a ver porque não demonstra do lado de fora. São muitas pessoas, tem até amigo que são pregadores e que andam nessa linha. É para as pessoas que a carapuça servir.

JC: Ainda nesse seu CD novo, a faixa 10 – Perdoe, amor –é direcionada a alguém?
Na verdade essa música é a única do disco que não é minha. É do meu amigo Ben-Hur lá de Maceió e ele cantou a música e achei extremamente interessante. Como gosto de temas que não são muito clichés, achei interessantíssimo. Não tem nada a ver comigo, mas tem a ver com muita gente que eu conheço.

JC: Qual experiência marcou seu ministério?
Eu tive várias experiências, mas uma que me marcou foi quando estava em Fortaleza dando entrevista numa rádio lançando meu segundo disco e era um programa feito por um pastor e comecei a cantar uma música minha chamada Valeu a pena que é uma das músicas mais importantes da minha história e veio uma ministração forte na hora e comecei a entregar o rolo. Daqui a pouco, ligou uma mulher para a rádio e ela conseguiu entrar ao vivo e confessou que estava tudo armado para ela tirar a vida, mas disse que ia desistir porque Deus a tocou muito. Naquele momento começou uma comoção muito grane não só na rádio, mas na cidade também com muita gente ligando, os pastores comentando sobre o caso.

JC: Entre as suas composições tem alguma que é o seu xodó?
Esse negócio é muita de fase, mas nesse disco tenho a música Não dá pra entender porque eu acho uma canção muito verdadeira. Eu gosto demais do Na moral e a última faixa que é Moral da história que todo mundo pede.

GND: Quais músicas não podem faltar em seus eventos?
Não posso parar, Na moral, Valeu a pena, Olha a frente [título do terceiro disco lançado em 2011]. Mas hoje a mais importante é Não posso parar que onde a gente chega a galera sabe.

JC: Quem você tem como referência no meio evangélico?
Internacional muito pouco. Quase não escuto música gringa, mas sou apaixonado por música brasileira. Gritante mesmo são as coisas desde as bandas dos anos 80 como Rebanhão até as bandas de rock dos anos 90 e os louvores. Sou fruto do Koinonya muito mais que a geração Diante do Trono. Meu processo é muito ligado às coisas que o Koinonya fazia, cantores da música sacra como Ozéias de Paula, Victorino Silva, Cícero Nogueira. Gosto muito das coisas antigas. Eu não sou muito a favor de versão e a galera tá fazendo muita versão de Hillsong e Jesus Culture que são maravilhosos, mas são lá de fora. Você chega na África, você vai ouvir música africana, chega em Cuba, vai ouvir música cubana, nos Estados Unidos, música americana... Aí você chega no Brasil, você ouve cover americano, rock inglês, rock britânico e aqui tem tanta gente talentosa. Acho um desperdício, mas essas coisas antigas têm me influenciado mais que as novas, mas tem uma galera nova que tá chegando aí, sem falar nas coisas seculares.

GND: Vi que na primeira versão do disco você tinha gravado “Povo barulhento” e “O Rei está voltando”. Será que talvez possa vir um projeto do Marcos Nunes gravando coisas antigas até mesmo do próprio Koinonya?
Rapaz, é um sonho muito gritante que peço a Deus uma chance de fazer isso antes de morrer. Tenho vontade de fazer isso e tem repertório. A gente pega esse violão e tem de Vencedores por Cristo até os sacros e sai muita coisa aí.

JC: Você teve oportunidade de cantar no DVD do Jonas Vilar e existe esse projeto da Som Livre de gravar um DVD com você?
O nosso projeto que estamos namorando é um DVD e provavelmente pela minha gravadora e eu tenho um sonho muito grande de fazer um negócio diferente. Pr. Silvério Peres foi grande compositor, grande influência e, no meu primeiro disco, eu gravei Leão de Judá que é um dos maiores sucessos dele e fez com a participação dele cantando um rap.

GND: Que balanço você faz desses dez anos de carreira?
Eu faço um balanço positivo. Eu não trabalho naquela ânsia de conseguir estourar, eu trabalho como se eu já fosse um sucesso. Eu sobrevivo com meu ministério que é meu trabalho. A minha vida é um sucesso visto de onde eu era, de onde eu nasci, o que passei pra chegar onde cheguei. Então, eu não vivo naquele frenesi de explodir, eu trabalho fazendo um trabalho de excelência. Já são dez anos com quatro discos lançados e um DVD, sendo o último pela Som Livre que foi um passo importante na minha carreira. Cara, só no ano passado contabilizamos mais de mil jovens que ganhamos para Jesus, então o meu trabalho é muito focado em evangelismo. Eu gosto muito de pregar o Evangelho simples de Jesus sem muita volta. Eu vivo para isso! A gente tem buscado influenciar positivamente uma geração e temos conseguido alcançar um respeito ao longo desse tempo e fico muito honrado em ter essa missão da parte de Deus e foram quase todos os Estados do Brasil e vários países onde Deus tem me dado essa oportunidade e acho que o sucesso desses dez anos cravou com a Som Livre e daqui pra frente só Deus sabe o que vai acontecer.

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