3 de fevereiro de 2016

Hipster gospel, uma tentativa

Leeland, Marcela Taís, Felipe Valente, Os Arrais e Marcos Almeida são exemplos de hipster no meio gospel | Fotos: Facebook

Diferentão
Barroco
Leitor da Cult
Fã de Los Hermanos
Hipster-de-barba-e-camisa-xadrez

Não sei se você é um diferentão (ou diferentona), mas deve ter visto ou até participado desse meme que andou viralizando na internet dias atrás. Contudo, para o nosso assunto aqui, a compreensão de “diferentão” servirá apenas como ponto de partida para o assunto principal: a cultura hipster. Lembrando que, não necessariamente trata-se de uma cultura, se levarmos em conta o real (mais usado) significado do que possa ser cultura, propriamente. Mas, afinal...

TIME de agosto de 1994 | Foto: Reprodução
O que é “hipster”?

Para te situar sobre o assunto, vamos usar brevemente a definição de uma pesquisadora sobre o termo, a professora Zeynep Arsel, da Universidade da Concórdia, nos EUA. Em sua pesquisa, ela identificou que a cultura hipster surgiu ainda nos anos 40, e essa nomenclatura – hipster – era usada para descrever os apreciadores do jazz urbano afro-americano, que frequentavam as redondezas de Harlem, bairro de NY.

Nos anos 50, porém, o escritor Norman Mailer usa esse termo para descrever “pessoas brancas da classe média urbana que gostavam de sair da zona de conforto para frequentarem clubes de jazz, geralmente frequentados por negros”. Nos anos 60, 70 e 80, pouco se falou sobre os hipsters. Até que, em 1994, a revista Time publica uma matéria tratando do assunto e ele veio à tona novamente: primeiro como assunto em voga e, já nos anos 2000, a cultura renasce de vez.

Apropriações

Hoje, podemos dizer que os hipsters são grupos de pessoas, majoritariamente jovens, que vivem de grandes cidades. Se fazem notar e se percebem muito a partir da lógica das novas tecnologias. No comportamento, são identificados como non-mainstream. E, esteticamente, por um recorrente saudosismo, e por consumirem tudo o que a indústria cultural produz de alternativo, o que está nas margens do pop.

A lógica neoliberal dos anos 90, a cibercultura e a cultura de consumo dos anos 2000, e ainda o forte traço individualista de nosso tempo; tudo isso contribuiu e contribui para a formação da cultura hipster atual. Ao longo de uma trajetória de quase 80 anos, a sua apropriação pelo capitalismo a transformou num formato estético de imperialismo para a amplificação do consumo. De produtos, serviços e das artes (ora, transformada em produto). Inclusive da música.

Hipster gospel, uma tentativa

A música gospel brasileira, quase sempre em sua história, foi marcada por referências que vieram do exterior. Se antes, esse traço de formação da nossa música veio por conta da cultura protestante, que imigrou dos EUA e da Europa, com o tempo, o aspecto gringo da musicalidade cristã aqui utilizada ganhou status de fórmula que funciona comercialmente. E funciona mesmo.

Na segunda metade dos anos 2000, a cultura hipster deixou de transitar apenas por territórios de contracultura (já vinha ensaiando esse movimento há anos) e caiu na graça do pop e o influenciou. Referências estéticas do hipster chegaram ao cinema (Wes Anderson pra quem?), na publicidade e no design (flat ou minimalista?), na televisão (reparou naquela fotografia inventiva de Breaking Bad?) e até na música ultra comercial (o nome da banda é Fun.!). E em nomes do gospel internacional, como o coletivo Gungor, a Bethel Music, o Leeland pós-2013 e os anos mais recentes do Hillsong United. Todos esses contêm, em maior ou menor grau, uma musicalidade com traços indie.


A tentativa brasileira de promover uma experiência hipster na música gospel está bem próxima dessas novas formas de consumo de música, que se localizam no ambiente digital. E que constroem, a partir disso, uma necessidade quase sensorial relacionada à obra de um artista, ou então, à quantidade de conteúdo que é produzida a fim de manter o seu público, sedento por novidades diárias, saciado.

Daniela Araújo | Foto: Leone Sena (2013)
Daniela Araújo é, talvez, o exemplo mais bem-sucedido desse universo novo. A cantora, enquanto signo artístico da música gospel nacional, nunca oferece apenas música aos seus ouvintes, mas toda uma rede de conteúdos entrelaçados que se completam. E, por se completarem, fomentam um território novo para que os consumidores de Daniela Araújo possam habitar. A cantora, que por sinal também é uma boa fotógrafa, construiu um feeling de marketing imagético e comportamental sustentado por suas fotografias, seus textos e vídeos nas redes sociais e até em sua aparência, por meio de suas roupas e penteados. É hipster!

Não apenas se escuta o ‘CD tal’ da artista Daniela Araújo, mas se vive uma experiência que vem pelo ouvir, pelo olhar e pelo se expressar (seja na interlocução com a cantora, que é bem ativa nas redes sociais; seja por querer se vestir como ela ou postar na internet covers de suas canções).

Dani Araújo certamente não constrói sua carreira como outras grandes estrelas do gospel, como Aline Barros, Cassiane ou Ana Paula Valadão; ela está em outra vibe. Se propõe como uma nova alternativa não de modo a ser alguém que é anti-pop, mas que faz uso do popular dentro de uma lógica de diferenciação, que é, e muito bem obrigado, viável comercialmente. Daí o porquê dela está dentro do que podemos considerar ser o que se denomina hipster-gospel.

A artista pode até não ser figurinha fácil em programas da TV aberta ou nenhum de seus dois discos pode ter vendido cem mil cópias e nem tão pouco ela faz atualmente parte de uma grande gravadora (apesar de ter iniciado sua carreira na Sony). Não por isso, ano passado ela executou um projeto bem-sucedido de lançar canções, gratuitamente no YouTube. Uma por mês, com os nomes dos meses. Suas canções mensais do projeto que recebeu o nome de 2015, quando não estão próximas da marca de 1 milhão de visualizações, já passaram disso e só fazem crescer cada vez mais. Além de Daniela, outros nomes também passeiam por essa tentativa: Marcela Taís, Os Arrais, Felipe Valente, Crombie, Marcos Almeida e outros exemplos.


Convergências e resultantes

Michael e Lisa formam o Gungor | Foto: Divulgação
O hipster gospel é um falso “diferentão”. Primeiro, porque segue uma lógica na qual artistas internacionais do gênero já faziam antes (assim como também alguns nomes do que se convém chamar de ‘nova MPB’ fazem por aqui fora do gospel). Segundo, porque a versão evangélica do hipster é non-mainstream ao ser comparada com os grandes medalhões que já venderam milhões de discos, mas é ultra comercial no nicho que criou pra si, a partir das experiências sensoriais aqui já citadas que são possíveis a partir das possibilidades das novas mídias.

Muito se fala na morte do produto físico da música. E, apesar de ninguém saber ao certo quando será o último suspiro do CD, uma nova forma de consumir – não só no sentido monetário de comprar, mas também no sentido afetivo de experienciar – já foi criada e só cresce cada vez mais. Neste novo universo, cabe a pergunta que veio como manchete da Time em 94: “Se todos são hipsters... então, alguém é hipster?”.

Um comentário:

Comente, critique, elogie!
Sua opinião é importante para nós
Shalom Adonai



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...